O caso fortuito, a força maior e o COVID

Em tempos de COVID 19, o clima de incertezas, principalmente acerca da economia global, são enormes.

Diversas são as projeções nacionais e internacionais sobre os reflexos da pandemia e o tom que se anuncia é de crise e recessão mundial.

A preocupação se instaurou e todos passaram a ter dúvidas sobre seu futuro e também sobre os reflexos jurídicos que tal evento repercutiria.

É certo que a pandemia criou na maioria da população um senso de comunidade e de ajuda mútua, que deve ser mantido como um legado positivo do evento.

É notório que nosso judiciário já estava aquém na agilidade da prestação jurisdicional, e após a pandemia, a perspectiva é de sobrecarga total diante do potencial de judicialização de todos os conflitos que deverão surgir.

É papel de todas funções essenciais da justiça (advocacia, ministério público e poder judiciário), desenvolver, ainda mais a partir de agora, o senso conciliatório para resolução desses conflitos.

É certo que a decretação do COVID-19 como pandemia mundial, abriu a via prevista em lei e constante em muitos contratos, da ocorrência de caso fortuito ou força maior.

 Apesar de por um lado o artigo 389 do Código Civil estabelecer que o devedor ao deixar de cumprir uma obrigação assumida, “responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado”, noutro lado, o artigo 393 do Código Civil estabelece que: “O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado”.

E o parágrafo único complementa: “O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir”.

O tema do caso fortuito e força maior não é questão pacífica na doutrina, pois há vários conceitos para cada um deles ou para os dois quando considerados expressões sinônimas.

Segundo Maria Helena Diniz, “na força maior por ser um fato da natureza, pode-se conhecer o motivo ou a causa que deu origem ao acontecimento, como um raio que provoca um incêndio, inundação que danifica produtos ou intercepta as vias de comunicação, impedindo a entrega da mercadoria prometida ou um terremoto que ocasiona grandes prejuízos, etc.”.

Por outro lado, “o caso fortuito tem origem em causa desconhecida, como um cabo elétrico aéreo que sem saber o motivo se rompe e cai sobre fios telefônicos causando incêndio explosão de caldeira de usina, provocando morte.”.

Nas lições de Álvaro Villaça Azevedo “caso fortuito é o acontecimento provindo da natureza sem que haja interferência da vontade humana em contrapartida a força maior é a própria atuação humana manifestada em fato de terceiro ou do credor.”.

Ensina Agostinho Alvim que “o caso fortuito consiste no impedimento relacionado com o devedor ou com a sua empresa, enquanto que a força maior advém de acontecimento externo.”.

Não obstante ilustres doutrinadores contribuírem com diversos conceitos Sílvio Venosa simplifica ao dizer que “não há interesse público na distinção dos conceitos, até porque o Código Civil Brasileiro não fez essa distinção conforme a redação do artigo 393 do Código Civil.”.

O STJ também não se preocupou em distinguir caso fortuito de força maior, mas sim em verificar a presença deles para determinar o reflexo jurídico que o acontecimento causaria.

Assim, mais importante que a diferenciação do que seja caso fortuito e o que seja força maior, é identificarmos os reflexos jurídicos de tais eventos.

Não se trata de desobrigação, mas sim, de não responsabilização.

Tomemos como exemplo o caso de um locatário, que com os reflexos da crise do COVID-19 acredita que está desobrigado a pagar o aluguel.

Errado.

A obrigação assumida pelo locatário em pagar o aluguel no dia do vencimento persiste: há um ajuste de vontades, um contrato, válido e exequível que consiste basicamente na assunção de responsabilidades, tais como o pagamento do aluguel e também a aplicação de multa em caso de atraso ou inadimplemento.

Veja, mesmo com a ocorrência de força maior ou caso fortuito (COVID-19), o locatário ainda está obrigado ao pagamento do aluguel, mas ele não será responsabilizado pelo inadimplemento ou atraso.

Noutras palavras, o locatário não está desobrigado ao pagamento do aluguel, mas não sofrerá as consequências (sanções) do inadimplemento pois ele não foi responsável pelos prejuízos que o evento de força maior ou caso fortuito gerou.

Importante também ressaltar, que o devedor constituído em mora antes da ocorrência do caso fortuito ou força maior deve ser responsabilizado por aquele período; ou seja, a desresponsabilização incide apenas pelo período do evento.

Em linhas gerais, veremos nos próximos meses, releituras acerca do instituto do caso fortuito ou força maior, justamente pelos reflexos jurídicos que o COVID-19 trará; no entanto, doutrina e jurisprudência até o momento tem esse entendimento: desresponsabilização e não desobrigação.

Assim, conforme exposto no início do texto, é tempo da sociedade pensar coletivamente e no surgimento de problemas entre particulares, buscar soluções criativas com a finalidade de minimizar perdas, e a via extrajudicial é a mais rápida e eficaz.

Certamente todos terão que perder um pouco para que ninguém perca tudo.

Você já ouviu falar do efeito “Streisand”?

Tudo que acontece no ambiente digital se prolifera muito rápido, e na maioria das vezes é esquecido com a mesma rapidez.

Ações promovidas por pessoas que se sentem ofendidas com determimada ação poderm provocar efeito inverso, o que pode ocasionar o surgimento de um “viral”.

Um dos cases mais conhecidos, aconteceu em 2003, na Califórnia. O fotógrafo K. Adelman fazia um trabalho para o site Pictopia.com para documentar a erosão costeira no litoral de Malibu. O trabalho continha cerca de 12 mil fotografias, e em uma delas aparecia a propriedade da cantora Barbra Streisand.

A artista moveu uma ação em que pedia 50 milhões de dólares e a retirada da fotografia do estudo, por entender que sua intimidade fora invadida. A imagem da casa viralizou como forma de represálias àquela ação. Até o caso se tornar público a fotografia havia sido baixada 6 vezes, duas delas pelos advogados da cantora.

Um mês depois, esse número já era de 420 mil. Para o operador do direito, um dos modos de se contornar o “efeito Streisand”, é restringir a publicidade da ação judicial promovida e requerer a tramitação do processo em segredo de justiça. Para o público em geral, vale sempre avaliar se a indignação não irá expor ainda mais o ofendido.

Você já ouviu falar do Pepsi Points Case?

O Pepsi Points Case, foi um processo com pano de fundo no direito contratual e de consumidor, em Nova York em 1999.

Na época, a Pepsi veiculava um comercial, em que através de pontos acumulados em seus produtos, seria possível trocá-los por diversos produtos: óculos de sol, camisetas, jaquetas e até mesmo um jato da força aérea americana (avaliado em US $ 33,8 milhões no momento).

O jato, em tese valia 7.000.000 pontos da Pepsi. O garoto, John Leonard, não colecionou 7.000.000 pontos Pepsi, mas enviou um cheque certificado por US$ 700.008.50 conforme permitido pelas regras do concurso e exigiu seu jato. O caso foi levado à corte, sob a alegação de violação de contrato e fraude. O tribunal rejeitou as alegações de Leonard vários motivos e inclusive verificou que a propaganda do jato não constituiu uma oferta.

Sustentou que, mesmo que o anúncio tivesse sido uma oferta, nenhuma pessoa razoável poderia ter acreditado que a empresa pretendia dar um jato no valor de cerca de US$ 23 milhões por US$ 7.000.000, ou seja, tratava-se de mero puffery (propaganda espalhafatosa).

Após a decisão, a Pepsi continuou a veicular a propaganda, mas atualizou o valor do jato para 700 milhões de Pepsi points. Leonard ficou sem seu jato.